5 de abr. de 2012

Sistema Stanislavski

Constantin Stanislavski (1863 – 1938) foi ator, pedagogo, escritor e diretor de teatro russo. Sua paixão pela arte começou desde pequeno e seu primeiro trabalho como ator foi aos 14 anos. Após 20 anos, Stanislavski fundou o Teatro de Arte de Moscou, onde realizou vários espetáculos. Neste local, testou técnicas no trabalho de preparação do ator e criou o Método Stanislavski, baseado em naturalidade, fidelidade histórica e busca de uma verdade cênica. O sistema, que tem uma série de técnicas e princípios fundamentais, serve de base para a formação e o desempenho de todo bom ator.
Segue abaixo trechos da obra.

Obra Inacabada – Ética (trechos)

Nós atores somos pessoas de sorte, porque neste mundo desmedido o destino nos concedeu algumas centenas de metros cúbicos: o nosso teatro, no qual podemos criar a nossa própria vida artística, especial, magnífica que transcorre na sua maior parte em uma atmosfera criativa, nos sonhos e na realização cênica deles, no trabalho artístico coletivo, em comunhão constante com o gênio de Shakespeare, Pushkin, Gogol, Molière e outros. Não basta isso para fazer um maravilhoso pedaço de mundo?
Protejam o seu teatro antes de tudo que é negativo, e aparecerão as condições favoráveis ao trabalho e à sensibilidade cênica de que precisa.
Não se pode entrar no teatro com os sapatos sujos. Tirem fora a poeira e a sujeira antes de entrar. Entretanto deixem fora os sapatos e todas as pequenas preocupações, as brigas, as questões que tornam a tua vida difícil e te distraem da arte.
Limpe a garganta antes de entrar no teatro. Depois que entrou você não pode mais cuspir pelos cantos.
Mas os atores, na maior parte dos casos, transferem de todas as partes para o teatro cada
mesquinharia, implicâncias, intrigas, calúnias, inveja, egoísmo mesquinho. O resultado é, não um templo de arte, mas uma lixeira, uma escarradeira, um chiqueiro.
- Você não acha que tudo isso é humano e inevitável? Sucesso, glória, competição, inveja – intervem Govorkov, em defesa da normalidade dos teatros.
- É preciso arrancar tudo isto da alma, até as raízes – disse Torzov ainda mais energicamente.
- Mas é possível? – replicou de novo Govorkov.
- Bem. Suponhamos que seja impossível se liberar completamente da mesquinhez cotidiana da vida. Mas, seguramente, é possível esquecê-la por um certo período de tempo, deixar-se distrair por alguma coisa de interessante. É preciso querer isto, decididamente e conscientemente.
De uma vez por todas é preciso entender que é falta de educação lavar a roupa suja diante de todos, que desta maneira parece falta de controle, falta de respeito em relação ao próximo, o egoísmo, a indisciplina e os maus hábitos... De uma vez por todas é preciso deixar de lado a autocomiseração e o desprezo por si. Em sociedade é preciso sorrir, como fazem os americanos. A eles não agradam os rostos amargos. Chore e sofra em casa, ou quando estiver sozinho. Com os outros, esteja de bom humor, alegre e simpático. Neste ponto é preciso exercitar o auto-controle. Pense um pouco mais nos outros e um pouco menos em você mesmo. Cuide da atmosfera comum e do trabalho comum. E, então, você estará bem.
Se cada um dos trezentos colaboradores trouxesse consigo ao teatro a alegria, isto curaria até o pior dos manicômios. Se todos se preocupam com todos, então a humanidade inteira defenderá também a minha liberdade pessoal.
Ordem, disciplina, ética, etc., não servem apenas para a causa comum, mas fundamentalmente para os objetivos artísticos da nossa produção.
A primeira condição para obter a “pré-disposição para o trabalho” é a observância da
máxima: “Ame a arte em você e não você na arte”. Preocupe-se então, antes de tudo, que a tua arte esteja bem no teatro.
Por medo da concorrência ou por inveja mesquinha, os atores acolhem, prontos a desferir um golpe, os recém-chegados à nova família teatral. Se os novatos conseguem superar a prova são afortunados. Mas quantos não se assustam, perdem a confiança em si mesmos e se desanimam!
Esta psicologia bestial que, para a vergonha dos atores, se encontra em todos os teatros – com exceção de poucos – deve ser combatida antes de qualquer outra coisa.
No teatro se pode observar freqüentemente este fenômeno: as demandas maiores aos diretores são feitas pelos jovens que tem menos experiência e menos capacidade do que todos. Querem trabalhar com os melhores e não sabem perdoar aqueles que não conseguem fazer milagres com eles.
Demandas assim da parte de um principiante são realmente pouco fundamentadas! Na realidade os jovens atores deveriam aprender alguma coisa, poderiam pegar alguma coisa de cada um daqueles mais experientes e mais dotados que eles. De cada um se pode pegar alguma coisa e conhecer muito. É preciso aprender por si mesmo a pegar aquilo que é útil e importante.
Não criticar sempre tudo, então. Parar de andar por aí fazendo críticas e considerar atentamente aquilo que os experts estão te dando, mesmo que não sejam gênios. É preciso saber pegar aquilo que é útil. Os defeitos se aprendem facilmente, as virtudes não.
Muitos atores têm o hábito intolerável de ensaiar com a quarta parte da voz (sobretudo quando se trata de uma participação extraordinária). A quem serve este murmúrio indistinto sem participação interior no papel e quase sem significado? Esta recitação mecânica, sem sentido, do texto falseia o papel; e, além disso, o ator se habitua a uma representação mecânica. Você sabe certamente que cada falseamento altera a linha justa da ação. O que vai fazer o partner com uma fala que lhe é dada desta maneira? Como pode lhe dar seqüência? Como pode reagir à representação mecânica, ao desaparecimento de seqüência? Como pode reagir à representação mecânica, ao desaparecimento de pensamento e sentimento? Uma fala falsa e uma emoção falsa provocam uma resposta também falsa do interlocutor. A quem serve um ensaio assim, feito “por desencargo de consciência”? Vocês devem saber que o ator tem o dever de representar a cada ensaio com a voz plena, de dizer as falas corretamente e de receber as falas também corretamente, segundo a linha pré-estabelecida da peça e do papel.
Você não pode imaginar como o espectador percebe tudo que acontece atrás da cortina fechada! Desordem, barulho, falatório e um contínuo bater durante o intervalo e o caos no palco se transmitem aos espectadores e pesam sobre o espetáculo. E vice-versa: ordem, disciplina e calma, no palco e atrás da cortina fechada, dão leveza ao espetáculo.
Não se esqueçam que os atores devem ter conhecimento, dar importância e se interessar não somente por aquilo que diz respeito ao seu papel, mas do drama como um todo. Cada ator deve escutar o que se refere a tudo, e não aprender e entender apenas a sua parte, e sim o drama como um todo.
Por Thaís Peixoto.

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