20 de abr. de 2012

Chico Buarque

Com o encerramento de Pra Você Gostar de Mim agora é hora de focar no nosso Próximo trabalho e como o espetáculo deste ano será inspirado em Chico Buarque nada melhor do que a gente conhecer um pouco mais deste grande artista brasileiro. Confira agora uma entrevista dele concedida para a rádio Eldorado.



Pra começar, pedimos ao Chico para falar sobre a música popular e por que é tão expressiva no Brasil?


Olha, eu, como estou dentro da música, nem me sinto muito à vontade de fazer uma comparação desse tipo.

Fora daqui, na Europa, nos Estados Unidos, a música brasileira, a música popular brasileira tem consumo. Ela goza de um conceito muito alto. Eu não poderia comparar com outras artes para não ficar indelicado. Mas se chegou até a um casamento feliz, como aliás, eu tenho impressão que só acontece nos Estados Unidos e em Cuba. O casamento, quer dizer, a mestiçagem que gera a música brasileira, que é semelhante à mestiçagem que gera o jazz e toda música caribenha. O casamento entre a música e a letra, a formação européia dos nossos letristas, isso vem de muito tempo. A formação européia dos nossos melodistas, mas basicamente o ritmo. Os ritmos brasileiros é que dão um cunho muito especial à música popular. Acontece, como eu disse, aqui como lá nos Estados Unidos, como no Caribe. Você não vê esse mesmo casamento, essa mesma harmonia em músicas onde há menos presença do negro. Nos países andinos, por exemplo, tem a música popular, mas, ao nível internacional, ela não tem o pique que tem a música brasileira.

Na música brasileira esse elemento negro é fundamental. E a forma como ele entra, como ele se casa com os outros elementos que compõem a música. Eu vejo por aí.

No Brasil, a música popular... se você quiser considerar a música como música pura, vai levar desvantagem em relação à música mais elaborada, à música de vanguarda, à música erudita, porque recolhe elementos dessa música e assimila esses elementos, e produz junto com a letra, que também não é uma poesia, produz uma obra de arte única.

Eu não sei se as pessoas, tanto os criadores como os críticos, têm consciência disso. É uma opinião minha, pessoal. Em relação ao meu trabalho e de outros compositores, sempre falam muito nisso: "Ah, precisa publicar as letras e tal." Eu resisti sempre a isto porque me parecia sempre que era mutilar o resultado final que é a procura desse casamento entre música e letra.

Esse casamento já está na tradição da música brasileira. Na música brasileira dos anos 30, 40, aquela que eu ouvia quando era garoto, nos anos 50 com Dorival Caymi, sem falar em Noel Rosa, Ari Barroso, isso já existia. Tanto assim que eu acho que o pai da minha geração é o Vinícius de Moraes, o poeta do nosso pai é o Vinícius, que a certa altura renunciou um pouco à poesia erudita e foi fazer música popular, e foi muito criticado por isso. Mas, eu acho que ele tinha essa visão, não estava renunciando a uma coisa maior em troca de uma coisa menor. Não, estava, simplesmente, se dedicando a uma outra tarefa, tarefa não é a palavra boa, mas a outra arte.



Chico fala agora da dificuldade do trabalho após 64 e de suas esperanças.

A partir de 64 a cultura brasileira esteve cerceada. Houve dificuldades em dar continuidade aos projetos. Os movimentos eram encarados com suspeitas. Acho que está na hora de aparecer gente nova. Inclusive porque tem gente com muito talento, às vezes desperdiçado, querendo fazer coisas. Eu tenho esperança, é claro, não sou pessimista. Tenho quase a certeza que mais cedo ou mais tarde essa página toda da bossa-nova vai ser uma página viradíssima. A bossa-nova existe até hoje. Volta e meia ela renasce porque ainda é uma música moderna. Foi criada em cinqüenta e poucos. Eu fico torcendo pra bossa-nova ser uma coisa do passado mesmo.

Trabalho de dança e de teatro com Edu Lobo.

O Edu é diferente porque quase todas as músicas que eu fiz com ele, senão todas, foram compostas pra projetos. Pra peças de teatros e dois balés, O grande circo místico e Dança da meia-lua, do Teatro Guaíra. Então, tanto ele quando faz a música e me manda, como eu quando faço a letra, nós temos um objetivo: fazer a música pra um determinado tema, personagem. Não é em aberto como é com Francis. O que apareceu desses trabalhos, em disco, é a parte das canções. E tem todo um trabalho dele que não foi gravado porque há pouco interesse por música instrumental no Brasil hoje, mas é um trabalho muito bonito. O desenvolvimento dessas canções instrumentais é uma coisa preciosa. Ele tinha idéia de lançar em disco, mas estava difícil. Não há muito interesse por música instrumental.

Como é que é a tua vida hoje? Você continua tendo tempo pra ouvir?

Tenho. Agora eu estou saindo do estúdio. Praticamente saí há um mês. Fiquei durante quatro meses sem ouvir nada. Mesmo porque você tem medo até da interferência de fora. Então não vai ao cinema, não ouve música, não vai ao teatro, não faz nada disso. Agora eu vou entrar num período de alimentação. Aí vou ouvir coisa que eu deixei de ouvir ou ouvi com menos cuidado na época do lançamento. Vou ouvir isso tudo. Faço questão de ouvir. Faço questão de me informar.

Perguntamos a seguir ao Chico se a celebridade o incomoda.

Não. Não me incomoda. Eu não assumo ares de celebridade nem ando por aí vestido de celebridade. Ando por aí normalmente pela rua. Ando um pouco depressa pra não ter que ser interrompido. Mas convivo naturalmente com isso.

Mas quando você viaja pra fora você se sente mais livre?

Eu confesso que às vezes eu gosto de dar um pulinho... Vou a Paris. Gosto muito de andar pela ruas e não ser reconhecido, ninguém perguntar nada. Às vezes preciso desse descanso. Também de ser tratado normalmente, como um ser humano comum. Aqui sempre tem aquela coisa....te fazem muita festa. Faz falta você dar um pulo aí fora e às vezes ser maltratado por aquele motorista de táxi ou aquele cara do café que joga aquela xícara de qualquer jeito....Você sente o maior prazer. "Opa!!! Sou anônimo."

Vamos entrar agora num terreno de dificílimo acesso: o ato de criar.

Humberto Werneck: Um dia eu cheguei na casa dele e ele falou: "Olha tem uma coisa aqui que você vai gostar." E me mostrou uma fita. E nessa fita que ele me mostrou ele está tentando arrumar, dar uma forma final a um refrão do samba Dr. Getúlio, que ele tinha feito com o Edu Lobo pra peça de mesmo nome, do Ferreira Gullar e do Dias Gomes. Então você vai ouvindo aquele refrão. Ele cantando e tocando violão, e de repente você percebe. Daquela música nasce uma outra. Feita um galho. Mas é um galho de uma outra árvore. Com uma emoção extraordinária, eu percebi que era o Vai passar. Que estava começando a nascer aquela coisa muito informe, aquela coisa meio fetal ainda, mas já se percebia a música ali. Foi uma experiência absolutamente emocionante pra mim. Você percebia que ele ia tocando aquele pedacinho de música, caía outra vez no refrão do Dr. Getúlio, voltava pro Vai passar, ainda sem letra, sem nada. Eu percebia ele se acercando da música como se a música estivesse pronta fora dele e ele estivesse tentando pegar aquilo com a mão.

Quais são teus planos?

Autobiografia, com certeza, não. Dirigir um filme, também não. O que eu sinto no momento é uma total ausência de planos. Terminei esse disco. Depois veio a questão da eleição e eu tirei um tempo. Não tenho a menor idéia do que eu vou fazer. Não tenho essa rotina. Até gostaria de ter, já falei, talvez fosse mais saudável. Mas não. Eu estou com aquela folha de papel branco na frente agora pra fazer qualquer coisa, que não vai ser uma autobiografia, mas pode ser um disco novo, pode ser uma peça de teatro, um livro, qualquer coisa. Não estou com plano nenhum pela frente.

Fonte: http://www.chicobuarque.com.br/texto/mestre.asp?pg=entrevistas/entre_eldorado_27_09_89.htm

 
                                                                                   Por Bruno Rangel.                       

Nenhum comentário: