22 de abr. de 2012

Uma Delicada Ousadia

Abaixo, uma matéria da revista “BRAVO”, feita por Manoela Sawitzki, sobre os moldes e ousadias do espetáculo “Viver Sem Tempos Mortos”, estrelado por Fernanda Montenegro, um monólogo que ficou em cartaz de 2009 a 2011.

Para o diretor britânico Peter Brook, o ritual do teatro se realiza plenamente quando, no palco, irrompe uma porção da vida que escapa aos nossos sentidos dormentes. É o que ele chamou, nos anos 60, de "Teatro do Invisível-Tornado-Visível".

Numa noite de abril de 2009, sobre o palco de uma sala modesta em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, o fenômeno descrito por Brook se materializou diante da plateia. Quando Fernanda Montenegro entrou no cenário inteiramente negro, deteve-se sob uma tênue faixa de luz e sentou-se numa cadeira, o acontecimento teatral estava estabelecido. Quando, quase imóvel e agora sob foco intenso, começou a falar, não havia dúvida de que o invisível se tornava nítido.
 

O monólogo Viver sem Tempos Mortos é um exercício de ousadia. O diretor Felipe Hirsch dispensa quase por completo a ação física e os artifícios cenográficos para fazer do vazio e da imobilidade alegorias. O texto foi elaborado a partir de estudos empreendidos por Fernanda e pelo tradutor Newton Goldman sobre um dos casais mais célebres e controversos do século 20: Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Os fragmentos selecionados — muitos deles escritos pessoais da filósofa — preservam a força da voz singular da autora. O resultado é uma sintética e sensível linha do tempo que expressa aspectos marcantes da trajetória dessa personagem que exerceu a liberdade como condição e princípio da existência. A eterna mulher de Sartre não é julgada por escolhas ou apontada por contradições: é uma voz solitária que reflete sobre a reafirmação da vida diante da morte. 

A atuação de Fernanda Montenegro se concentra no detalhe. Com gestos contidos, olhares nuançados, sutis alterações de voz, ela se empenha em desvendar uma identidade complexa, que se revela também nas entrelinhas. Não é preciso nada além de calça social e camisa branca: a atriz se veste de sua personagem. Nem mesmo são necessárias movimentações, mudanças de cenários e luz: o abstrato torna-se palpável porque estamos diante de uma atriz que já não faz teatro, é habitada por ele.

Fonte: Bravo Online

Por Anderson Moura

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