por Daniel Schenker
Diferentes
possibilidades de interpretação são sugeridas pelo título da peça do carioca
Pedro Brício, Breu. Cada uma é fortemente valorizada pelas diretoras Maria
Silvia Siqueira Campos e Miwa Yanagizawa na montagem que é toda encenada na
penumbra.
O autor se
debruça sobre um período sombrio da história brasileira: a ditadura militar que
teve início em 1964. As personagens Carmem e Aurora, nebulosas e difíceis de
serem apreendidas, se reúnem na cozinha da primeira, num subúrbio carioca, para
preparar cachorro-quente. Nos primeiros minutos da peça, nem o espectador, nem
Carmem, que é cega, enxergam nada: o palco está totalmente às escuras. Quando a
luz invade a cena com suavidade, Aurora surge na cozinha dizendo que chegou
recentemente. Como ela, o espectador sai do breu e passa a ver aquilo que a
iluminação a velas permite.
Não parece haver
muito a unir as personagens, apesar de estarem ambas envolvidas em imbróglios
familiares. Carmem aguarda o contato do irmão, que vive na clandestinidade;
Aurora, oriunda de classe mais abastada e de meio repressor, oculta uma
gravidez. O elo vago entre as personagens pode soar como uma imprecisão do
texto – em todo caso, um dos mais interessantes da dramaturgia de Pedro Brício,
que substitui sua habitual mistura de gêneros e registros por uma condução mais
sutil.
A sensação de
indefinição permanece até o final do espetáculo, mesmo que as personagens se
revelem aos poucos. A própria cena é desvendada ao longo da trama, tanto devido
à proposital limitação da luz quanto à quantidade de detalhes da cenografia,
assinada pelas diretoras em parceria com Aurora dos Campos e evidenciada com
discrição pela iluminação de Tomás Ribas. Misterioso e ao mesmo tempo familiar,
o espaço da cozinha de Carmem, preenchido por objetos reais, que funcionam ao
serem acionados, é complementado, ao fundo, por um jardim de terra infértil.
Uma imagem estranha e interessante, propícia a um espetáculo que provavelmente
não será inteiramente decodificado pelo público.
Quem conseguir,
porém, abrir mão da necessidade de reter a montagem na sua totalidade receberá
recompensas – entre elas, a interpretação de Kelzy Ecard, como Carmem. A atriz,
que permanece de olhos fechados durante toda a encenação, enfrenta com bravura
os desafios técnicos impostos pela cegueira da personagem e transita com
habilidade por uma gama de registros emocionais.
O espetáculo está em cartaz no Sesc Belenzinho, São Paulo desde o dia
11/05 e vai até o dia 17/06. Sextas e sábados às 21h30, e domingo às 18h30.
Fonte: Bravo!
Por Anderson
Moura
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