14 de jun. de 2012

A Dança das Notas Musicais


Edição 177 - Maio 2012 – Bravo! 


Escrito por Flávia Fontes Oliveira


O violoncelista Dimos Goudaroulis era um adolescente no norte da Grécia quando começou a se aprofundar no estudo das Seis Suítes para Violoncelo Solo, de Johann Sebastian Bach. Radicado em São Paulo há 16 anos, ele lançou em 2008 um festejado CD independente, gravado com um instrumento de época com base no manuscrito da viúva do compositor alemão – o álbum foi considerado o melhor de música erudita pelo Prêmio Bravo! Prime de Cultura naquele ano. Em 2011, Goudaroulis resolveu enfrentar um novo desafio inspirado pela obra, que teria sido composta por volta de 1720 (não se sabe a data exata). Aluno do violoncelista, o cientista político e jornalista Luiz Felipe D’Ávila lançou-lhe certo dia a pergunta: “Como preencher o espaço e a música com dança?” Uma resposta pôde ser vista no mês de maio no palco do Teatro Alfa, em São Paulo, no espetáculo Logos-Diálogos, 6 Suítes de J. S. Bach para Violoncelo Solo e Dança. O instrumentista convidou seis coreógrafos de expressões distintas para a empreitada: Jorge Garcia, Luis Arrieta, Henrique Rodovalho, Tíndaro Silvano, Deborah Colker e Ismael Ivo. A cada um deles foi atribuída uma das seis suítes de Bach, escolhida de acordo com “os afetos da música” e com as personalidades dos bailarinos.


DIÁLOGO
Tocadas em ré e dó maior e consideradas eloquentes, a terceira e a sexta suítes foram respectivamente para o goiano Henrique Rodovalho e a carioca Deborah Colker, tidos como “atentos”, “ágeis” e “alertas” pelo violoncelista. Na avaliação de Rodovalho, que dirigiu o premiado Grupo Quasar na terceira suíte, a interpretação de Goudaroulis para a peça de Bach lembra uma representação do Espírito Santo. “Trabalho como se a música ‘iluminasse’ os movimentos e, ao mesmo tempo, mostro que eles também podem surgir por conta própria, provocando a melodia. Minha coreografia estabelece esse diálogo”, diz. À frente da J.Gar.Cia de Dança Contemporânea, o pernambucano Jorge Garcia encantou-se pelos desenhos que a mão esquerda do músico faz ao executar a primeira suíte e inspirou-se nesses movimentos para criar. A Suíte Número 2 evoca, na visão de Goudaroulis, melancolia e sofrimento. É também a peça em que os contrastes estão mais presentes. Talvez por isso, e por querer trabalhar com elementos opostos e complementares, o coreógrafo Luis Arrieta quis contracenar com a bailarina Ana Botafogo, no único pas-de-deux do espetáculo. O mineiro Tíndaro Silvano escalou os bailarinos da Vórtice Escola de Danças, de Uberlândia, com idades entre 15 e 20 anos, para dançar a Suíte Número 4. “Embora essa peça não tenha sido composta para um balé, seus movimentos – Allemande, Courante, Sarabande – levam nomes de danças que têm características próprias”, diz o coreógrafo.


“BACH É DEUS”
Figura central na interação com os bailarinos, Dimos Goudaroulis fica no palco o tempo todo. “Realizamos um ‘Corpo Instalação Música’”, diz o bailarino e coreógrafo Ismael Ivo, que executa seu solo ao som da quinta suíte. “Criamos novas formas de ouvir o som do corpo, de sentir a dança das notas.” Quando Ivo recebeu a proposta de Goudaroulis, respondeu de bate-pronto: “Bach é Deus”. Alemão de Leipzig, Johann Sebastian Bach (1685-1750) de fato resume toda a história da música como podia ser considerada em seu tempo. Para o historiador Roland Candé, ele assimila a tradição de forma tão genial que passado e presente parecem emergir de sua obra. “É o mais ilustre dos grandes músicos, o resultado supremo de uma tradição”, escreve. “Nem profético nem arcaico, ele se situa fora do tempo e só é representativo de si mesmo.” Nada mais lógico do que reservar à música o papel de protagonista e deixá-la comandar a cena. “Mergulho no som. E ele me conduz impiedosamente nessa viagem”, diz Ivo.


Por Thaís Peixoto.

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