18 de mai. de 2012

O Homem do Século

Se a vida de Mário Lago fosse retratada em um musical, o sucesso do carnaval de 1960 – a marchinha "Me dá um dinheiro aí", de Moacyr Franco – poderia servir de fundo musical para essa década. Preso depois do golpe militar de 64, ficou 58 dias na cadeia e acabou incluído na famosa lista dos inimigos do regime. Demitido da Rádio Nacional pelo Ato Institucional n° 1, junto com mais 35 colegas da emissora, passou por momentos difíceis. Fez tudo que o talento e a dignidade permitiam: fotonovelas, traduções, redação para enciclopédia... Em determinado momento, aderiu até à dublagem, pratica que sempre contestou, por considerar prejudicial ao mercado de trabalho do ator. A dureza da vida e do regime não enfraqueceu, porém, a crença em suas idéias políticas: participou de todas as mobilizações da classe artística em defesa da liberdade e dos direitos individuais. O que resultou em várias temporadas na cadeia.

 Ficou tão escolado, que era sempre indicado para organizar o coletivo, organismo criado pelos presos políticos para organizar a vida na cadeia. Em uma dessas temporadas, encontrou, entre outros, o jornalista e ex-governador Carlos Lacerda. Deixando a diferença ideológica de lado, Lacerda lhe pediu que ficasse à frente da situação. Mário organizou uma reunião para listar as reivindicações. Ao final, Lacerda: "Agora, vamos apresentar tudo isso a eles". Resposta de Mário: "Não. Vamos apresentar uma a uma, porque preso político tem que reclamar todos os dias. Do contrário, podem pensar que está satisfeito".


Em matéria de política e de volume de trabalho, na época, Mário nunca estava satisfeito. Repressão, censura, perseguição. E mulher mais cinco filhos para sustentar. No quesito trabalho, uma luz surgiu em 1966, quando foi convidado para a TV Globo, para viver um oficial nazista, na novela "O Sheik de Agadir", da cubana Gloria Magadan. Inimiga ferrenha do comunismo, a autora tentou vetar o nome de Mário para o elenco. Foi derrotada pela insistência do diretor da novela, Henrique Martins, e do diretor da emissora, Walter Clark. No papel, Mário deitou e rolou. Sucesso total. A lente míope da censura não foi capaz de identificar na figura do coronel Otto Von Luckner uma crítica à truculência de militares brasileiros. Sem perceber, o regime tinha sido alvo, mais uma vez, do "inimigo".


O gênero telenovela passou a constar também de outra maneira no currículo do ator: ele estreou como autor, adaptando "Presídio de Mulheres" para a TV Tupi de São Paulo. No final da década, o gênero já tinha se consagrado como sucesso absoluto, mas sem qualquer comprometimento com a realidade. Enquanto trabalhadores, estudantes e artistas pediam, nas ruas, o fim da ditadura, a telinha apresentava nobres, heróis e mocinhas românticas em terras distantes. A virada começaria no final de 1969, com "Beto Rockfeller", idealizada por Cassiano Gabus Mendes e escrita por Bráulio Pedroso, na Tupi paulista. Nada de diálogos formais. A narrativa era coloquial, reproduzindo fatos retirados de notícias da época. Pela primeira vez, a telinha mostrava um protagonista que não era um herói, impoluto, corajoso. Mas, um rapaz mentiroso e arrivista, capaz de tudo para subir na vida sem muito esforço. Ponto para São Paulo.

A Paulicéia ameaçava, então, tirar do Rio o título de capital cultural. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Mutantes, Geraldo Vandré ... os novos nomes da música brasileira estavam lá. O Teatro Oficina e o Teatro de Arena, também. A "moldura" da vida de Mário Lago já tinha perdido a condição de capital federal para Brasília. Mas, tinha o mar, para Mário, uma condição imbatível. Ele não era chegado à praia. Mas gostava de sentir o mar por perto: "... Chamo de excelência, peço licença e vou passando. Mas sou praiano. Eu vejo o mar, quero ver o mar. Porque o mar dá uma sensação de liberdade muito grande. Fico satisfeito por ele estar ali. Não vai ter a minha presença nunca, mas está ali. A sensação de liberdade está ali".

Texto de Isa Cambará



                       Cronologia


26/ 11/ 1911 – Mário Lago nasce, na Rua do Resende, no Rio, filho do maestro e violinista Antônio Lago e de Francisca Maria Vicencia Croccia Lago.


1918 – É internado na Santa Casa, como uma das primeiras vítimas no Brasil da gripe espanhola. Começa a estudar piano com Lucila Villa-Lobos, mulher do maestro Heitor Villa-Lobos.

1923 – Entra para o Colégio Pedro II, tradicional colégio carioca, que, naquele mesmo ano admitiu, pela primeira vez, a presença de mulheres: a professora Maria da Glória Moss, de Física, e uma aluna. Mário lidera uma greve de estudantes contra o uso obrigatório de canecas; é o começo de sua militância política.

1924 – Desiste do piano, pois o estudo lhe exige muita disciplina.


1926 – Publica seu primeiro poema, "Revelação", na revista "Fon-Fon". Começa a trabalhar no jornal "O Radical".


1930 – Entra para a faculdade de Direito da Universidade do Brasil, onde conhece a filosofia comunista. Integra o Socorro Vermelho, grupo que presta assistência a presos políticos.


1932 – Em 21 de janeiro, já na Juventude Comunista, é preso pela primeira vez. Após um comício na porta da fábrica de tecidos Mavilis, da América Fabril. Adota o codinome de Pádua Correia, uma homenagem ao nome com o qual sua mãe queria batizá-lo – Mário de Pádua Jovita Correia do Lago – e que acabou encurtado para Mário Lago, por decisão pai. Ao ser solto, é conduzido por policiais até a fronteira com o Uruguai e ameaçado de morte. Passa dois meses como clandestino no Uruguai, e retorna ao Brasil.
Na volta ao Brasil, entra para o Cordão da Bola Preta, um dos mais populares do Rio. Mário carregava a flâmula da Bola, para o qual fez o hino "Braço é braço", em parceria com Nelson Barbosa.

1933 – Em fevereiro, estréia como autor de Teatro de Revista, com a peça "Flores à Cunha", um sucesso imediato.
Termina a faculdade de Direito e estagia em um escritório de advogados por três meses; desiste da profissão.


1935 – Estréia como compositor com a marcha de Carnaval "Menina, Eu Sei de Uma Coisa", primeira parceria com Custódio Mesquita. A música é gravada por Mário Reis, no ano seguinte.


1936 – Mário e Custódio escrevem a peça "Sambista da Cinelândia", que alcança 200 apresentações. Lago trabalha como redator-chefe do Departamento de Estatística do Estado do Rio de Janeiro Chega a ser nomeado membro do Conselho do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas não toma posse.


1938 – A música "Nada Além", parceria com Custódio Mesquita, torna-se sucesso na voz de Orlando Silva.

1939 – Escreve, em parceria com o compositor e amigo João de Barro, o Braguinha, argumento e roteiro do filme "Banana da Terra", no qual Carmem Miranda reinventa o traje de baiana e canta "O que é que a baiana tem?", do até então desconhecido Dorival Caymmi. O sucesso é tão grande que Carmem adota a baiana estilizada e, meses depois, segue para Hollywood.


1940 – Uma de suas mais famosas composições, em parceria com Roberto Roberti, "Aurora" é gravada pela dupla Joel e Gaúcho. A música tem repercussão internacional na interpretação de Carmem Miranda. O filme Segure o Fantasma (Hold that ghost), da dupla Abbot & Costello, inclui versão em inglês da marchinha apresentada pelas Andrew Sisters.

1942 – O diretor teatral Joracy Camargo convida Lago a subir ao palco no lugar do galã principal da peça "O Sábio". Assim, por acaso, Mário Lago torna-se ator.


Confira a cronologia completa Aqui!


                                                                                                    Por Bruno Rangel.

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