28 de jun. de 2012

Espetáculos que mesclam teatro e artes visuais

Escrito por Luiz Felipe Reis do jornal O Globo 

Desdobramento das teatralizações dadaístas, dos happenings pop e das performances dos anos 1970, as relações entre as artes cênicas e as artes plásticas (visuais) têm se acentuado num ritmo vertiginoso. Em tempos de acelerada convergência de mídias e cruzamento entre gêneros artísticos, as duas vertentes têm se mesclado e apagado suas fronteiras, gerando uma série de espetáculos híbridos que estão em cartaz ou que chegam à cidade até o fim de semana. São peças realizadas em galerias, em meio a exposições, cenários que também funcionam como instalações autônomas, entre muitas outras abordagens que ilustram um diálogo ativo em que o teatro absorve as artes plásticas e é, simultaneamente, absorvido por ela.— Como a interferência de novos meios digitais é cada vez mais veloz, novos híbridos surgem a todo momento e às vezes não dá para identificar ou separar o que é teatro ou artes visuais. Não é uma coisa nem outra, é uma terceira via — acredita o pesquisador Carlos Avelino de Arruda Camargo, autor de "Do lugar de onde se vê: aproximações entre as artes plásticas e o teatro".

Construído sobre esse limiar, o projeto "Entre Lugares — Rio-Londres" segue até o próximo sábado com uma série de atividades no Espaço Sérgio Porto, a partir de uma parceria entre os diretores artísticos da Ocupação Entre, Joelson Gusson e Daniela Amorim, e integrantes do Chelsea Theatre, de Londres. O evento apresenta espetáculos não convencionais, como é o caso de "The quiet volume", criado por Ant Hampton e Tim Etchells, que fica até hoje, entre as 14h e as 18h, na Biblioteca da UniRio. Nele, os espectadores recebem um fone de ouvidos e passam a construir uma dramaturgia visual própria, imaginando cenas a partir de indicações que ouvem e que encontram nas páginas de alguns livros disponibilizados para a experiência.

— Você sai de lá com um mundo de imagens na cabeça — diz Gusson. — Não existem atores e nem cenas. É a partir dos fragmentos que vão sendo lidos e escutados que o espectador constrói a estrutura da dramaturgia.

Na quinta-feira, ainda no "Entre Lugares", Marcela Levi estreia, às 21h, a performance "In-organic", que parte de uma pesquisa fotográfica. No mesmo dia, às 21h30m, os ingleses Gemma Paintin e James Stenhouse, do grupo Action Hero, apresentam "A western", em que emulam cenas clássicas de filmes de faroeste, buscando ativar a construção das cenas na memória do espectador. Já no sábado, o americano Ron Athey fecha a programação com "St. Sebastian 50", em que usa o próprio corpo para confrontar sexualidade e iconografia religiosa.
— Os artistas estão se desprendendo da estrutura formal do teatro. A velha história de que o teatro engloba todas as artes agora ganha um novo corpo, uma articulação efetiva entre as artes, uma dentro da outra, com o artista habitando esse "entre lugar" — diz Gusson.

A atriz e diretora Bel Garcia também habita este "entre lugar" descrito por Joelson, com quem trabalhou na peça "Paisagem nua", em que o teatro se transformava numa passarela de moda. Agora, Bel estreia uma dupla empreitada com o projeto "Peças em galeria". A primeira delas, "Matamoros", parte do texto homônimo escrito por Hilda Hilst e chega amanhã ao Centro Cultural da Justiça Federal. A peça, encenada por Maíra Gerstner, ficará em cartaz em meio a uma exposição criada pelo artista plástico Cafi.
— Gosto da ideia de colocar o teatro em outro lugar para renovar a relação da plateia com a cena — diz Bel. — Muitas coisas já foram exploradas e rompidas, e agora voltamos a ter uma inquietação, como se o teatro apenas não nos bastasse.

No mês que vem, dia 25, Bel Garcia estreia "Inglaterra — Versão brasileira", de Tim Crouch, que também se passa numa exposição que, por indicação do autor, não deve ter ligação com o texto. Em cena, um casal de guias de museu conduzirá o público em meio a uma exposição fotográfica que estará em cartaz no CCJF e servirá como cenário da montagem.
— Me interesso por dramaturgias que não dependam exclusivamente do texto — diz Bel. — Nessas peças, os elementos visuais ajudam a construir a dramaturgia, e a plateia faz a ligação entre o que é dito e o que é mostrado nas obras.

Tendo como ponto de partida uma reflexão sobre a mobilidade urbana, a atriz Flávia Pyramo e o artista plástico Flávio Papi imaginaram uma estação de trem como plataforma da peça "O trem, o vagão e a moça de luvas", que estreia sexta-feira no Teatro Serrador. A instalação, composta por maquetes, bancos de trem e projeções em videomapping, também poderá ser vista após as sessões. Na peça, Flávia vive uma mulher solitária, à beira de um ataque de nervos, que entra num vagão e começa a discutir com um desconhecido (Babú Santana).
— O teatro serve para nos transportar para outro lugar, por isso imaginamos a peça dentro de um vagão — diz Flávia. — O Flávio criou uma instalação aberta que nos leva a uma relação com o espaço, nós contracenamos com o espaço cênico.
 
 À frente de uma longa pesquisa que fusiona teatro e artes plásticas, os irmãos brasilienses Fernando e Adriano Guimarães criaram um cenário-instalação para a peça "Nada" — em cartaz até o próximo domingo no teatro do Oi Futuro Flamengo. Composta por mais de quatro mil peças de vidro, a estrutura cênica da montagem também foi transformada na instalação "Rumor", que está aberta para visitação diária desde a última terça-feira.
— Essa distinção entre teatro e artes visuais está nos olhos de quem vê — acredita Fernando. — No início, nos perguntavam se era teatro ou outra coisa. Até hoje não sabemos a resposta. Nós criamos teatro e também instalações, que funcionam juntas e também de forma autônoma.
Convidado do Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte (FIT), que termina esta semana, o francês Olivier de Sagazan cria performances que se assemelham a telas vivas. Pintor e escultor, ele diz que o teatro lhe permitiu vivenciar o que gostaria de expressar em suas telas.
— Para sentir uma obra, é preciso estar dentro dela. E é isso o que eu busco fazer — comenta Sagazan, que pode ser visto em ação no YouTube.



Por Thaís Peixoto.

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