Estreamos hoje uma nova seção no Blog. Em "Nossos Espetáculos", vamos contar um pouco sobre cada montagem produzida pela Cia de Arte Persona. Começamos hoje com "Entre o Dedo e o Anel", espetáculo que atualmente é o carro-chefe da Companhia e deve se apresentar em alguns festivais ao longo desse semestre.
Entre o Dedo e o Anel é a mais recente produção da Cia de Arte Persona, sediada em Campos dos Goytacazes e em trabalho permanente desde sua fundação em 1997. Construído ao longo de 30 meses de árdua pesquisa, o espetáculo de dramaturgia original sintetiza uma linguagem própria partindo de intensas construções corporais e vocais, hoje marca da cia campista.
Com o intuito de mover o publico de um lugar confortável de espectador para lança-lo a novos questionamentos, selecionamos um tema pungente: as perdas, tão comuns na vida de qualquer ser humano e, ainda assim, sentidas e lamentadas. Partimos, assim, de histórias reais enviadas à Cia por meio de cartas, então selecionadas e decupadas no processo de montagem. Com a estréia datada de junho de 2011 no salão de jantar do solar do Barão da Lagoa Dourada em Campos, e obtendo grande repercussão pela cidade, atingindo com felicidade nossos objetivos quanto à recepção, buscamos agora novos espaços que possibilitem o diálogo com novas plateias.
“Entre o Dedo e o Anel” traz em si duas histórias reais com suas narrativas totalmente entrelaçadas e pontuadas por histórias de perdas de cada um dos sete atores do espetáculo sorteadas no início de cada encenação.
“Contarei a história da perda uma amiga que, por mais que pareça piegas, foi meu primeiro amor. Neste relato passarão muitos anos, alguns onde o sentimento descansou, outros em que ele foi maior que eu mesmo.”
Vítor é um típico menino de cidade pequena. Aos doze anos vai estudar na cidade vizinha e lá conhece Clarisse.
“Ela não era popular, não usava roupas que se destacassem, não apresentava uma personalidade marcante. Não restavam dúvidas, tratava-se de uma tímida incurável.”
Até que a professora de português une os dois para um trabalho e, da aproximação vem o encantamento. A partir daí ele passa a tentar impressioná-la a todo momento e sua vida passa a ter um foco: Clarisse.
Uma linda história de amor tem início com avanços e recuos, aproximações e afastamentos. Inseguranças, inseguranças, inseguranças... Medo da rejeição. Declarar ou não o sentimento? E pelas imensas inseguranças de Vítor as chances de uma vida a dois vão escorrendo pelas suas mãos, levando a história para um fim impactante e surpreendente.
A história de Elisa:
“Nem sempre uma perda nos
parece compreensível, visto que, às vezes se mostra mais como uma desistência.
Pelo menos aos nossos olhos. O fato é que a dor da perda é relativa não à coisa
perdida, mas àquele que a perde.”
Elisa é uma
mulher de 56 anos que viu a vida passar sem conseguir assumir as suas rédeas. É
forçada a lidar com perdas desde muito pequena. Filha de pai violento que
abandona o lar quando ela tinha 5 anos. Vítima de sua mãe que a espanca
diariamente exigindo que cuide da casa e da irmã mais nova. Seu único refúgio é
o irmão, amigo e companheiro na infelicidade, já que apanhava tanto quanto ela.
Aos 11 anos
foi forçada a abandonar o colégio, justo ela, que tinha o sonho de se tornar
professora. Aos 14 passa a trabalhar no comércio. Dona de uma beleza suburbana,
Elisa chama atenção dos homens e como não sabe dizer não, é freqüentemente
abusada. “Nunca dei sorte com homem”, ela diz.
Ao longo de
uma vida de dificuldades e desistências há, entretanto, uma grande vitória. Seu
filho. Elisa tem nele seu grande feito heróico.
Entendendo a vida como um ciclo
eterno o espetáculo se apresenta numa arena onde a cena se dá à frente e atrás
do público, como se este formasse um anel em si.
A proximidade entre o
espectador e os atores reforça o caráter narrativo da peça, onde ator e público
interagem diretamente enquanto a história é contada.
Durante a história de Vítor o
elenco se posiciona como “entrevistador”, não havendo personagens além de Vítor
e Clarisse, apenas os atores/questionadores. Já durante a história de Elisa, há
um coro formalizado que traz a história ao conhecimento do público como na
Grécia Antiga.
A mistura de referências é
fundamental na instituição da linguagem da cia, que parte de gestos e sons
abstratos (partituras corporais e sonoras) que, em soma com as referências
conhecidas do público, garantem a comunicação, sem, no entanto, permitir que o
espectador se sinta anestesiado diante das histórias, que acabam nunca
caminhando pelo óbvio.
Com um cenário formado de duas
escadas-baú e seis bancos, iluminação e sonoplastia operadas de dentro da cena
pelos próprios atores, esta montagem estabelece-se num fluxo descontínuo em que
os mecanismos são sempre revelados. Assim como no teatro brechtiano, a história
é representada em blocos, que têm seus títulos anunciados, quebrando
freqüentemente a narrativa. Os figurinos foram construídos com base na memória
de cada ator, assim, cada um veste fotos e trechos de sua própria história. No
bolso de cada roupa está uma foto do ator quando pequeno, uma brincadeira com o
fato de guardarmos nossas coisas em nós mesmos.
Ao final uma grande ciranda se
monta indicando que vida é feita de perdas e que todos passamos por elas, mas que
nossa essência sobrevive e jamais devemos desistir, pois o ciclo é e deve ser
eterno. É, na verdade, uma convocação para que tenhamos fé no amanhã, uma
convocação para a vida.
Por Lênin Willemen
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