29 de ago. de 2012

Rafael Linhares - Um amigo que ficou mais distante.

Na última semana, perdemos um querido companheiro que fez parte da história da Cia de Arte Persona. Rafael Ribeiro Linhares faleceu na segunda-feira dia 19, vítima de tuberculose. Ainda estamos tentando calcular o tamanho dessa perda. Abaixo, segue alguns depoimentos de companheiros de jornada que tiveram o privilégio de conviver com Rafael.


Sunshine Pessanha: "Bem... pra quem não conheceu... nosso Gortim era o tipo de criatura que dava vontade de encher de beijo e de pancada ao mesmo tempo. Uma das línguas mais ferinas que já conheci e uma presença deliciosa! Uma maluquice especial, mas que me deixava com um certo aperto no peito cada vez que nos despedíamos... "Se cuida!", era meu tchau pra ele. Acho que vi Rafael pela primeira vez no grupo do Liceu quando eu já não frequentava mais e ia de vez em quando matar as saudades. Convivemos realmente durante as montagens de DECOTE e CORAÇÃO BRASILEIRO, principalmente DECOTE, já que em CORAÇÃO eu não estava como atriz... já tinha me mudado pro Rio. Foi um dos momentos mais ricos da minha vida. DECOTE foi uma grande virada pra nós, ensaiávamos por muitas horas e não parecíamos sentir cansaço. Que elenco! Dos mais indomáveis. Difícil saber quem iria jogar a piada mais terrível no ar! Era tanta galhofa naquele bastidor que até eu que sou ranzinza me dobrava... A história de cena do Gortim que mais me lembro é a célebre das duas gravatas... DECOTE era feito de oito quadros baseados na obra de Nelson Rodrigues. Na nossa montagem cada quadro era simbolizado por uma cor, presente em algum adereço ou no figurino. No quinto quadro, de cor azul, fazíamos uma foto de família... e Rafael me entra em cena com a gravata borboleta azul... por cima da gravata do primeiro quadro!!! A foto inteira se cutucava... durante o mesmo quadro em outra apresentação uma mostra do seu lado desagradável: transformou "Olívia de Havilland" em "Olívia Palito", lembra Carol? O enchi de socos nesse dia... literalmente... Conviver com aquela peste era assim... beijo e tabefe... Lembro muito de quando voltávamos dos ensaios... das conversas no carro... da despedida na 28 de Março, quando ele descia e a gente o assistia caminhar por um tempo... e sempre vinha o aperto... nunca soube explicar, mas era assim. "Se cuida!" e um apertinho no coração... Quando mamãe me disse que ele havia morrido a primeira pergunta que fiz foi "o que foi que ele fez?". NADA... não dessa vez... não foi nada que ele fez ou disse... E de novo a imagem que me veio foi a da despedida naquela esquina, assistindo seus passos pra casa... o aperto no coração... e pela última(?) vez... "SE CUIDA!"..; "



Carolina Pessôa: "Dos momentos que vivi ao lado desse querido amigo só guardo alegrias. Como não lembrar do dia em que ele me chamou de "Olívia Palito" em cena? Ou de quando ele desceu a escadaria do Liceu bêbado apoiando dona Laura (que também aparentava estar levemente alcoolizada)? Ou dos ensaios de D. Margarida (aquela parte em que ele sacudia o esqueleto era hilária) e tantas outras peças? Difícil falar em poucas palavras de alguém tão especial e contagiante. Com seu senso de humor sem igual, Rafael conseguia cativar o coração de todos. Em nosso último encontro, já no Rio de Janeiro, me lembro dele me contando que não pretendia voltar a fazer teatro. Mas um talento como ele nunca deixa de ser artista por estar fora dos palcos, e continuará sempre brilhando, agora no plano espiritual. Saudades eternas..."

Tânia Pessanha:

"POR CAUSA DE RAFAEL

Domingo, com muita cara de domingo comum, tranqüilo e saudável.
Acordei, não muito cedo. Caminhei com Edu.
Voltei pra casa pra providências domésticas comuns a um domingo no qual eu não tenho ensaio.
Já fiz almoço pra mamãe e papai.
Agora estou fazendo uma moqueca pra nós.
Leon ouve música. Casuarina. Lindo, lindo. Perfeito. A música que ele ouve sempre aquece a casa toda. É sempre bom ouvir o que ele está ouvindo. Dá vida pra casa toda.
Edu está vendo alguma coisa no computador. Mozão e as máquinas.
O momento é daqueles em que tudo parece tão perfeitamente no lugar que dá vontade de parar o mundo por alguns instantes.
Sabe aquela felicidade que vem só da tranqüilidade? Pois é.
Sinto-me assim. Em paz.
Mas existe um aperto no coração, sentimentos que não sei definir, um permanente estado de riso e pranto.
Por causa de Rafael.
Penso muito em Rafael, desde que recebi a notícia de sua partida. Tenho trabalhado, dormido, acordado, sempre pensando em seu rosto, em seu sorriso aberto. Penso nos muitos momentos que passamos juntos (e lamento por aqueles que deixamos de passar). A quantidade enorme de besteiras que ele falava e no quanto eu gostava de ouvir. E como ríamos muito juntos! Lembrar dele é motivo de gargalhada.
Todo final de ensaio ele tinha mil piadas pra falar e eu não tinha vontade de ir embora. Só pra ficar rindo com ele.
Lamento não termos levado mais tempo juntos.
Sinto sua falta por todos os últimos anos em que estivemos separados. Descubro mesmo o quanto sempre senti sua falta.
Como ele era terrível!
Lembro do dia em que eu pedi muito, supliquei mesmo, que ele não participasse da idiotice da “ovada” do final do 3º ano no Liceu. E ele me prometeu que não se envolveria. E no final eu descubro que ele foi um dos principais envolvidos. Nunca entendi o porquê de se jogar ovos na escola que nos abrigou e protegeu durante anos de nossa vida. Nunca entendi essa relação de violência com a vida. Fiquei tão brava com ele! Falei muito!
Mas não dava pra não voltar a amá-lo.
Muitas outras zangas aconteceram. E sempre que a zanga passava, eu o amava do mesmo jeito. Ele tinha essa qualidade. De se fazer amado, mesmo depois de fazer alguma grande besteira. E o que não faltava era besteira. E o que não faltava era amor. Todos os dias, ao término do ensaio eu o levava pra casa. Era tão menino ainda e acho que eu temia que fizesse besteiras pela rua.
Ontem, desde que ele foi embora deste mundo em que vivemos, eu olhei fotos de peças que fizemos juntos. E só então pude chorar muito a sua partida.
Incrível que me sinto extremamente próxima a ele neste momento.
Aproveito pra rezar bastante pra que ele cresça e que alcance alguma paz. Que seu sorriso lindo possa estar a serviço do bem. Que esteja amparado onde quer que se encontre. E que algum dia possamos nos reencontrar e novamente rir muito juntos.
Sentirei sempre muitas saudades, querido Rafael. "

Gláucia Vargas: "'A vida afasta-nos talvez, dos camaradas, impede-nos de pensar muito neles. Estão, no entanto, em qualquer parte, não se sabe bem onde, mas estão fiéis! E, se acaso os nossos caminhos se cruzam, sacodem-nos pelos ombros, com labaredas de alegria! Pouco a pouco, porém, descobrimos que não voltaremos a escutar o riso claro daquele, que nos está vedado para sempre tal jardim. É então que principia o nosso verdadeiro luto, porque nada, jamais, substituirá o companheiro perdido. Velhos camaradas não se criam. Estas amizades não se refazem. Ao plantar-se um carvalho, é vão ter a esperança de se poder gozar brevemente da sua sombra. Assim corre a vida... Um a um, os camaradas retiram-nos a sua sombra.' (Terra dos Homens, A. Saint-Exupery)

De meu amigo fica gravado para sempre na memória o largo sorriso e o jeito descontraído de levar a vida com uma intensidade incomparável."


Iara Rangel: "Pensar em Rafael me faz lembrar do seu sorriso, das covinhas no seu rosto e de um abraço gostoso que ele estava sempre disposto a dar. É lembrar de momentos engraçados e trágicos como quando dançamos quadrilha no Liceu e formos pares, nos divertimos muito nos ensaios, mas ele me fez o "favor" de beber no dia e rasgar meu vestido... acabei chorando e no final não conseguia ficar zangada com ele.
Sua sinceridade era uma marca, adorava que ele opinasse nas minhas falas, se eu estava bem no palco, emfim, vivemos momentos memoráveis e ele fará muita falta. Tenho certeza que está distribuindo seu sorriso aos anjos..."


Mahelle Cristina: "Viveu!
E como viveu...intensamente, extremamente e loucamente.
Sorriu. Fez sorrir. Mas também chorou. Chorou muito e novamente sorriu.
Apaixonado pela liberdade. Gostava de correr risco. Era feliz!
Amante da boemia. Aproveitou cada segundo... Gozou de muma vida sem limites!
Tropeçou, caiu, levantou e seguiu firme! Forte!
Uma fortaleza dócil...sensível...
Um artista!
No palco da vida apresentou a sua história, nos emocionou, nos alegrou... E hoje as cortinas se fecham para nós, mas em algum lugar estarão se abrindo para que você possa protagonizar o início de uma nova história...de uma nova vida.
É com uma dor no peito e lagrimas nos olhos que lhe escrevo meu amigo, mas conforto-me pois sei que estás em iluminada companhia.

Que teu espírito esteja em paz...
"...e é morrendo que se VIVE para a vida ETERNA."

Amazona Santos: "Rafael Linhares... Lembro de um menino que não cabia em seu corpo, mesmo sendo bastante maior q os outros. Sua alma era algo como uma tempestade onde as emoções muitas vezes te assustam por tamanha intensidade. Talvez por isso pouco tempo na terra. Talvez como se soubesse que não daria tempo. Não engolia nada, não escondia nada.VISCERAL. Como se deveria sempre ser... Sem máscaras ... Sem anestésicos... Com DOR MAS COM MUITO MUITO AMOR. Meu amigo, tive a sorte de ver-te crescer. De um menino a um homem, e junto com você, cresceu meu espírito a aprender que não sao necessárias medidas quando se trata de Viver... 
TE AMO E PRA SEMPRE AMAREI .... 
Com Amor, Amazona."

Lívia Monteiro: "Quando penso em Rafael, lembro-me de alguém FELIZ. Rir era a palavra chave ao lado dele. Sempre viveu intensamente todos os pensamentos e desejos. Perdi alguém sabia viver conforme suas crenças. Uma pessoa debochada (e no caso dele isso não era um insulto), autêntica e única. Seu mundo, seus pensamentos, seus ideais... tudo era DELE e não uma reprodução da sociedade. A última vez que o vi, Rafael estava em um campo de futebol sozinho, cantando e tocando um violão. Ao me vez ele disse: "Oi, Lívia". Essa lembrança resume quem era Rafael. Tocar, feliz, sozinho mostra que ele não se preocupava com o que pensavam dele. Ele simplesmente fazia! E mesmo assim fazia questão de falar com todo mundo. E com isso ia semeando risos por aí. E é isso que em minha lembrança ficará: a risada. Vá em paz, Rafael. Faça rir os anjos, agora! Nós? Nós ficar emos um pouco mais tristes e com muita, muita saudade."

Lênin Willemen: "Não sei se ainda consigo descrever o que sinto com a partida de Rafael. No momento ainda é muito difusa essa sensação de vazio aqui, sabe? Deixo esses versos de Gabriel, o pensador. Acho que falam um pouco sobre tudo isso:

'Mais uma vida jogada fora.
Um coração que já não bate mais, descanse em paz.
Sonhos que vão embora, antes da hora.
Sonhos que ficam pra trás.
Por quê um jovem que vivia sorridente perde a sua vida assim tão de repente?
Logo um cara que adorava viver. Realmente é impossível entender.
Nenhuma resposta vai ser capaz de trazer de novo a paz à família do rapaz.
Nunca mais suas vidas serão como antes.

E eles olham o seu retrato na estante.
Aquele brilho no olhar e o jeitão de criança.
Agora não passam de uma lembrança.
E a esperança de que ele esteja bem, seja onde for,
Não diminui o vazio que ele deixou.
É insuportável quando chega o seu aniversário.
E as suas roupas no armário parecem esperar que ele volte de surpresa, pra ocupar o seu lugar vazio à mesa.
A tristeza às vezes é tão forte.
A tristeza às vezes é tão forte que é mais fácil fingir que não houve morte.
Porque sempre que ele chega pra matar as saudades, ele vem com aquela cara de felicidade.
Alegrando os sonhos e querendo dizer que a sua alma nunca vai envelhecer.
E que sofrer não é a solução. É melhor manter acesa uma chama no coração
E a certeza na mente de que um dia se encontrarão novamente.


Pra onde vai você? Pra onde vai?
Pra onde vai o sol quando a noite cai?'

2 comentários:

Iara Rangel disse...

Lágrimas... alguns sorrisos ao lembrar dessas cenas que vocês descreveram e saudades de todos, principalmente dele.
Um super beijo pra vcs! Que a gente possa se reunir!

Ana Carla Mota disse...

Eu desmoronei quando soube disso, Rafael foi meu professor, o melhor que eu ja tive na vida, uma pessoa que jamais esquecerei, nunca vou esquecer, ele foi um grande amigo, companheiro, engraçado, toda vez que lembro do Rafa lembro dele sorrindo!